Artigo do prof. Paulo Oliveira: conversa com os alunos da Unicamp sobre a greve

Posted by GeociênciasGreve2014 on sexta-feira, julho 04, 2014

Dois dedos de prosa: continuando a conversa com os alunos


* Paulo Oliveira

Muita gente está preocupada com o “final do semestre”, e com razão. Afinal, a DAC manda mensagens automáticas aos docentes afirmando que as notas e frequências deverão ser inseridas no sistema “impreterivelmente” até o dia estipulado no calendário (como se esse calendário pudesse ser mantido após mais de um mês de greve…). E muitos alunos são advertidos de que não poderão fazer a matrícula no 2º semestre, se não cumprirem os créditos do 1º, quando há pré-requisito (como se os alunos pudessem cumprir créditos de disciplinas não finalizadas…). Aí os alunos entram em pânico, o que é natural. E muitos professores ficam divididos, por considerações éticas (não querem prejudicar os alunos).

Mas… tem alguma coisa errada nisso daqui. Voltemos um pouco o filme. Quem estuda ou trabalha na universidade está familiarizada (o) com a instituição do exame vestibular, essa máquina de dar lucro aos chamados “cursos preparatórios”. Quando há algum erro no vestibular, como um “gabarito” errado de alguma questão, a grita é enorme. Mas quem é responsabilizado é a instituição, não um indivíduo particular. Nesses casos, a questão com algum problema é anulada. A instituição não pode penalizar quem não tiver respondido de acordo com o “gabarito” — nem dar pontos a quem tiver acertado, de acordo com um “gabarito” errado ou incompleto. Tampouco se põe a culpa nalgum diagramador que porventura tenha trocado as letras do “gabarito” etc. A falha é institucional, não se responsabiliza o indivíduo (salvo caso de má-fé etc., mais aí a coisa é outra, criminal).

COISA ERRADA

Agora, com docentes e funcionários da Unicamp em greve há mais de um mês, com base em decisões coletivas para defender direitos garantidos constitucionalmente, quer-se individualizar as responsabilidades. Não, certamente tem coisa errada nisso daqui. O docente em greve não pode lançar nota sem ter cumprido o programa, dentro dos padrões de qualidade e seriedade esperados e exigidos na Unicamp. Tem que cumprir o programa antes. Tem que repor aulas, se for o caso — após o final da greve (Será que o Cruesp vai negociar? Sem negociação, a greve continua).

E os alunos não têm como se inscrever em algumas disciplinas do 2º semestre porque a instituição não lhe ofereceu a oportunidade de obter os créditos do 1º. Ora, se a instituição não deu ao aluno a oportunidade de adquirir o pré-requisito dentro do prazo (porque os reitores não negociam etc.), não pode cobrar dos alunos esses pré-requisitos. Simples assim.

Ah, tem mais uma coisa: o próprio reitor da Unicamp já reconheceu de público a legitimidade da greve, em mais de uma oportunidade. Portanto, nenhuma penalidade baseada em não-cumprimento de prazos (em função da impossibilidade de fazer isso, decorrente de inoperância da própria instituição), pode ser aplicada.

DIREITO DO ALUNO

Aqui, sim, entra o direito do indivíduo, dos alunos: não podem ser prejudicados. O calendário tem de ser alterado. E qualquer prejuízo externo em função dessa alteração tem de ser cobrado da instituição — óbvio!

Enquanto isso, o governador do estado faz de conta que não é com ele. Diz que “respeita a autonomia das universidades”. Não é bem assim. Prometeu, por exemplo, em documento assinado, repassar complementação de verba permanente à Unicamp, para implementação e manutenção da FCA em Limeira.

Algo da ordem de 5,57 milhões por ano. Não é dinheiro de pinga.

Prometeu, mas não cumpriu. Por isso, falta dinheiro na FCA, que poderia ser usado para gastos correntes, aprimorar a infraestrutura, dar apoio à permanência estudantil etc. Os custos atuais saem do orçamento geral da Unicamp, que ficou como era antes da promessa do governador.

REPASSES ERRADOS

Ou seja, esse dinheiro deixa de estar disponível para atender a demandas do campus de Campinas também. O cobertor ficou mais curto do que já era. Mas não é só isso. O governo do estado não repassa às universidades o que devia, pela legislação vigente. Algo da ordem de 540 milhões em 2013. De 2009 para cá, 2 bilhões! Não, não é dinheiro de pinga.

O Cruesp também se fazia de desentendido.

Mas agora seus técnicos estão revendo as contas e já reconhecem o que o Fórum das Seis (representando docentes e funcionários) vem repetindo há muitos anos. A pressão colocada pela greve ajudou os técnicos do Cruesp a refazerem as contas. Ajudará a fazer o governador reconhecer  que tem de cumprir suas promessas? E, mais do que isso — pagar o que deve?

A greve é por reajuste salarial, sim.

Mas é também para garantir que as universidades públicas paulistas não sejam privatizadas, com a cobrança de mensalidades, a quebra do regime de dedicação exclusiva dos pesquisadores etc., como vem propondo descaradamente a grande mídia, a partir de “deixas” plantadas pelo reitor da USP em entrevistas, declarações públicas etc.

SIMPLES ASSIM

O Cruesp já sinalizou sua disposição a discutir alguns tópicos importantes para garantir uma educação pública, gratuita, de qualidade e inclusiva, nas universidades paulistas.

Porque houve pressão do Fórum das Seis, inclusive via greve. Por isso, a greve não termina enquanto não houver negociações, inclusive de salário. Quando isso ocorrer, dá-se continuidade à discussão proposta. Até lá, os professores não vão lançar as notas e deixarão também de realizar outras atividades previstas. Até que haja negociação.

Ao final da greve, a universidade tem o dever de garantir que não haverá prejuízo aos alunos ou à sociedade, ou, paliativamente, de reduzir esses prejuízos ao mínimo incontornável. Não pode punir individualmente nenhum aluno, nem professor, nem funcionário, que têm de ter, todos, seus direitos respeitados.

O direito de um não anula o direito do outro, cabe ao Cruesp negociar de fato, para que o impasse seja superado.

Simples assim.

Conversando, a gente se entende.

*Paulo Oliveira é professor do CEL/Unicamp e diretor da ADunicamp

fonte:ADunicamp

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